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Foto do escritorAntónio Roma Torres

A Balada Da Praia Dos Cães - José Fonseca E Costa (1987)

A CENA DA MORTE

 

António Roma Torres, A Grande Ilusão, 5, Dezembro 1987, pg. 16

 

Elias Santana é sem dúvida o elemento-chave do livro de José Cardoso Pires e, bem assim, do filme de José Fonseca e Costa. Ele é um personagem totalmente de ficção movendo-se num mundo de personagens inspirados numa realidade aberta a um sem-número de leituras. Essa realidade tem os contornos sociais e políticos da opressão salazarista mas mostra também as forças profundas da natureza humana que se podem jogar num simples crime passional. Elias Santana, personagem de ficção, é não apenas o guia de uma investigação mas é também aquele que de certa maneira recria uma história como percursos do romancista ou do cineasta. Naturalmente a interpretação contida, indolente, de Raul Solnado permite acertar o tom justo que vai iluminar toda a narrativa.

A Balada da Praia dos Cães é um jogo de cumplicidades e traições. Entre Mena e o capitão, entre Fontenova e o Cabo e enfim entre Mena e Elias Santana. Mas ainda entre Elias e Otero ou entre a Judiciária e a "outra polícia", o filme e o romance, os personagens reais e os da ficção.

No fundo é a mulher que domina o jogo todo, é ela que seduz, é através dela que as forças se desequilibram, é por referência a ela que se movimentam os personagens. É com ela que se debate Elias Santana, no jogo hábil dos interrogatórios ou no pesadelo das lutas solitárias.

Elias Santana é a ficção que procura estabelecer uma ordenação nas memórias da realidade. Esta é uma história de personagens reais, todos vivos (excepto, claro, o capitão), e de uma ou outra forma disponíveis aos inquéritos do romamcista e do cineasta. Poucos personagens num "huis-clos" dramático gerador naturalmente de diferentes versões, pelo menos com diferentes "nuances", de impossível ou desnecessária acareação numa lógica "whodunit" de puro romance policial. Porque essa seria a pista menos interessante e daí a abertura às interrogações marginais como pode ser a de saber quem fez os sublinhados no "Lobo do Mar" de Jack London.

A história do crime da praia do Guincho parte da mais completa ausência de mistério. Para a PIDE era um óbvio ajuste de contas entre comunistas. Para os meios democráticos era sem dúvida uma execução planeada pelas forças do regime. E no entanto...

O livro de Cardoso Pires divide-se em duas partes distintas que se intitulam "A Investigação" e "A Reconstituição". Menos sincopado o filme percorre um itinerário idêntico, em que a investigação é tudo o que se vai colhendo nas pistas da realidade e principalmente nas memórias e fantasias pessoais. É a desorganização, o tumulto interior e escondido numa aparente tranquilidade. A reconstituição será o encerramento do processo, a versão oficial, o restabelecimento da ordem.

Elias Santana, que é a ficção em personagem, vai presidir a essa reconstituição. Ele começa por imaginar a chegada dos fugitivos numa noite de tempestade (uma transição de iluminação no exterior anuncia o processo que irá sinalizar a sequência final). Depois vai sonhar um encontro trágico-romântico de Mena e o capitão no Vidago (a cena do elevador com Elias fantasmaticamente presente precede a testemunha invisível que ele irá ser nas cenas na vivenda). Finalmente ele vai recriar a cena da morte com a certeza de quem está a assinar a morte da cena, ou seja, a versão definitiva que articula ou encerra todas as ficções. É que se o amor é o lugar de todas as encenações, a morte é a sua paradoxal fixação.

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