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Foto do escritorAntónio Roma Torres

A Filha Da Mãe - João Canijo (1990)

A ENTRETER A RAZÃO

 

O cinema português vive um momento que não pode ser considerado dos melhores. Por um lado, parece caminhar para uma certa estandardização segundo modelos do chamado cinema europeu perdendo alguma da sua identidade própria - como é o caso recente de A Filha da Mãe de João Canijo e Na Pele do Urso de Ann e Eduardo Guedes. Por outro lado, ao evitar o pendor narcisista de uma geração anterior parece que os novos cineastas não acreditam verdadeiramente naquilo que têm a dizer deixando os seus filmes mal acabados com evidentes lacunas narrativas que depois se valorizar pelas características abertas a pedir uma complementação no esforço de leitura do espectador - aos dois citados juntaríamos O Sangue de Pedro Costa.

Se o modelo anterior do cinema português não tem que ser copiado e repetido o certo é também que um certo desleixo ou um menor rigor levará a um ainda maior afastamento do espectador face ao nosso cinema.

Acresce pelo menos no que respeita ao Porto que a exibição tende a dar ao cinema português um estatuto de excepção que lhe não permitirá competir em circunstâncias normais com o outro cinema que está em cartaz. E isso volta-se contra o próprio cinema português, ou seja, ao retirar o cinema português do circuito normal de exibição já se sinaliza que certa mente não será um cinema para toda a gente. Depois de O Sangue ter passado uma semana antecipadamente única, A Filha da Mãe foi exibido no mesmo sistema e com a agravante de nesse caso se tratar do Auditório Carlos Alberto que habitualmente não exibe filmes de estreia e Na Pele do Urso estreou um cinema de periferia em Gaia sem a adequada publicidade e informação ao espectador.

A Filha da Mãe sustenta-se na interpretação de José Wilker e Rita Blanco e é uma espécie de Electra em versão rasca contaminada pelos tiques da telenovela e do humor à Herman José. Tudo isto faria sentido se presidisse ao filme um olhar coerente capaz de organizar o material sem recorrer à trapalhice das constantes mudanças de registo do trágico ao cómico com personagens desnecessários à economia narrativa do filme e que aliás se vão perdendo pelo caminho.  Um certo tom intimista de Três Menos Eu perde-se em A Filha da Mãe onde o humor é por vezes truculento e esconde o vazio que vai minando o interior do filme.  Há, é certo, alguns pormenores melhor concebidos particularmente nas referências ao teatro em volta da mãe ou à pintura ligada ao amante e finalmente suposto pai.

Se A Filha da Mãe sugere de alguma maneira uma certa nova nouvelle vague que aliás não  tem  sido multo bem sucedida no cinema francês as referências britânicas de Na Pele do Urso com um certo sabor á Greenaway acabam curiosamente por se traduzir num clima semelhante onde uma certa referência aos bastidores do teatro acentua  o  paralelismo.

Em Na Pele do Urso temos um certo retrato dos subúrbios que não são de Londres nem de Lisboa referências possíveis da coprodução luso-britânica. É pois um cenário imaginário para um filme onde os apoios ao imaginário não conseguem transcender os horizontes limitados dos protagonistas mais ou menos marginais E havia achados como o teatro de robertos, o armazém de roupas e adereços ou o cemitério de aviões de sucata mas o que falta ao filme de amor de Eduardo Guedes é o necessário tratamento poético. Mais uma vez parece não ter havido o esforço que permitisse o tratamento adequado das ideias tudo ficando num esboço que realmente faz muito pouco sentido. Até porque o esquema mais ou menos policial de personagens que fogem à perseguição e nesse sentido ao passado acaba por apontar para um plano lógico e exigir uma outra elaboração narrativa não se ficando pela expressão do sentimento. Daí que a citação do verso de Pessoa (E assim nas calhas da roda/Gira a entreter a razão /Esse comboio de corda/Que se chama coração) na boca de Silva (Tom Walts) o homem dos robertos não possa servir de chave organizadora da leitura do filme ou se era essa intenção o resultado é evidentemente um fracasso. Aliás, Na Pele do Urso não é um filme do coração num sentido à Coppola (One from the heart) ou à Wim Wenders (Nas asas do desejo) e o que fica de razão dificilmente dá para entender.

 

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 13/4/1991 

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Este é um blog sobre cinema, particularmente sobre os filmes portugueses entre 1972 e a actualidade e os filmes em exibição nas salas de cinema portuguesas

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