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Foto do escritorAntónio Roma Torres

A Mulher Do Próximo - José Fonseca E Costa (1988)



À ESPERA DO PRÓXIMO

 

António Roma Torres, A Grande Ilusão, 7, pg. 63

 

 

O problema de A Mulher do Próximo de José Fonseca e Costa é a história que no fundo é anedótica e pouco interesse tem. Aceite esse ponto de partida, pode dizer-se que Fonseca e Costa leva o barco a bom porto e evita mesmo o naufrágio previsível tendo em conta os aspectos mais frágeis da narrativa. Como exercício A Mulher do Próximo vale o suficiente para se desejar que Fonseca e Costa encontre melhores histórias para contar, talvez numa fase de maturidade em que possa fazer a síntese das virtudes de uma expressão mais pessoal nos seus filmes iniciais e a habilidade narrativa que vem desenvolvendo nos filmes mais recentes.

 

O ponto de viragem da carreira de Fonseca e Costa talvez se possa situar em Kilas, O Mau da Fita, filme ainda em continuidade com um sentido metafórico dos anteriores O Recado e Os Demónios de Alcácer-Quibir - trilogia que retrata o marcelismo, a descolonização e o eanismo, como tempos fortes das mudanças de Abril e de antes e depois -, mas já onde há a sedução de um regresso à comédia popular dos anos quarenta, com Milu no elenco como visível elemento de ligação. A Mulher do Próximo parte aliás de uma visível referência a Um Homem às Direitas de Jorge Brun do Canto que tem a ver com a escolha de Carmen Dolores e Virgílio Teixeira para os papéis principais - o filme inclui imagens de Um Homem às Direitas com o flash-back do romance de juventude entre os dois.

 

Mas com Sem Sombra de Pecado e A Balada da Praia dos Cães há também uma evidente linha de continuidade a partir da personagem feminina, ao mesmo tempo sedutora e imprevisível, que sucessivamente foi incarnada por Victoria Abril, Assumpta Serna e Fernanda Torres - e o facto das três serem estrangeiras embora com as afinidades óbvias da Espanha e do Brasil, acentuam essa paradoxal proximidade distante que caracteriza o comportamento de qualquer delas. 

 

Édipo (ou antes Electra) faz também uma incursão mais clara no mundo cinematográfico de Fonseca e Costa, depois da importância do papel do pai da Maria da Luz em Sem Sombra de Pecado e do envolvimento de Mena com um camarada de caçadas do pai em A Balada da Praia dos Cães. Em A Mulher do Próximo é o par marcado pela diferença de idades no amor entre o homem maduro e a mulher jovem que surge no princípio e no final de uma narrativa circular onde o acidente (real ou fictício?) parece punir essa alusão quase incestuosa.

 

Diga-se de passagem que a traição amorosa é também um leit-motiv explicativo do próprio título A Mulher do Próximo, desde o casal de amantes cujos cadáveres os protagonistas são chamados a reconhecer no início do filme, aos motivos da rotura de Cristina (Carmen Dolores) e António (Virgílio Teixeira), à competição e ambígua cumplicidade quer entre mãe e filha, quer entre Henrique (Mário Viegas) e o mordomo (Vítor Norte), ou às relações de Isabel (Fernanda Torres) ecom o mordomo. As aparentes traições são por outro lado a quebra das distâncias impostas pelo sexo, pela idade, pela classe social.

 

Quebra de distâncias que porém, bem ao estilo de Fonseca e Costa, não se resolve na transparência, mas recria novas ambiguidades e novos espaços ocultos, com realce para o enigmático final.

 

Aliás o sótão onde se dão os encontros amorosos entre Isabel e o mordomo, mas aliás também onde Cristina revê memórias do passado, reedita o gosto de Fonseca e Costa pelos terrenos clandestinos, subterrâneos, eventualmente fantasmáticos de que há inúmeros exemplos nos filmes anteriores de Fonseca e Costa (a casa de Maldevivre em O Recado, o palácio de D. Gonçalo ou o espaço dos malteses em Os Demónios de Alcácer-Quibir, as casas do major ou do grupo vigiado ou das tias em Kilas, a misteriosa casa de Maria da Luz em Sem Sombra de Pecado, ou a mansão onde se refugiam os protagonistas de A Balada da Praia dos Cães). Fonseca e Costa constrói narrativamente os seus filmes bastante em função dos territórios de cada uma das suas personagens e o mistério de cada uma delas parecem indissociáveis dos espaços em que se movem.

 

A Mulher do Próximo demonstra que Fonseca e Costa atingiu uma eficácia narrativa e uma comunicação com o público que lhe permitirão num próximo filme, se dispuser de uma história em que verdadeiramente acredite, atingir uma dimensão que o cinema português mais popular há muito tempo persegue. Falta apenas, como dizia o poeta, um "golpe de asa".

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