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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Até Amanhã Mário - Solveig Nordlund (1993)

O MENINO E AS BALEIAS

 

Até Amanhã Mário, Solveig Nordlund, Portugal, 1993

António Roma Torres, A Grande Ilusão, 17

 

A dupla nacionalidade luso-sueca de Solveig está bem expressa em ATÉ AMANHÃ MÁRIO. A história passa-se no Funchal. De um lado há um grupo de miúdos da rua, de onde sobressai Mário (João Silva), um rapaz de oito anos que sonha com a pesca da baleia, entre pequenas aventuras, no dia em que vem de Câmara de Lobos ao Funchal para visitar a mãe internada no hospital. Do outro, um grupo de turistas nórdicos, idosos e mais ou menos típicos que metaforicamente são designados de baleias pelos miúdos que lhes tentam captar alguns dólares.

 

0 tema - meninos pobres, desprotegidos, explorados - reactualiza uma estética neo-realista, mas Solveig Nordlund privilegia o imaginário infantil e uma distância que é de facto a do olhar exterior, que os próprios turistas reflectem.

 

A distância em que o filme se constrói é afinal um equivalente do confronto mítico entre o homem e a baleia, onde a infância tem que ver com o instinto de sobrevivência e mesmo uma surpreendente competência infantil.

 

O filme, de certa maneira, lembra ANIKI-BOBÓ de Manoel de Oliveira. Do mesmo modo reflecte o protagonismo infantil ou o à-vontade com que os meninos nadam na água, mas não tem a mesma força, o mesmo rigor do olhar ou o mesmo sentido amplo de parábola. Contudo, por exemplo, a cena em que Mário assalta o pombal não anda longe do sonho da boneca ou da ida pelos telhados ao quarto de Teresa no filme de Oliveira.

 

É assim natural que tenham surgido protestos, como sucedera com ANIKI-BOBO, de quem prefere a promoção turística à identificação das situações visíveis da miséria.

 

Mas em ATÉ AMANHÃ, MÁRIO, se reencontra as preocupações sociais e populares de anteriores filmes portugueses de Solveig Nordlund (NEM PÁSSARO, NEM PEIXE, DINA E DJANGO ou os mais feministas VIAGEM PARA A FELICIDADE e MÚSICA PARA SI), afasta-se consideravelmente duma postura intelectual e austera que parece ter sido mais fruto da época que da inclinação ou opções da autora. Pode dizer-se que Solveig Nordlund consegue uma imagem bem expressiva da vivência infantil bastante ajudada pelo jovem João Silva, que interpreta o papel principal, mas falha por exemplo a dimensão poética do sonho do confronto heróico com a baleia. Vítor Norte dá uma réplica adequada, mas os traços caricaturais dos personagens de Canto e Castro (o padre) e Miguel Guilherme (o empregado de mesa) parecem francamente exagerados, tanto mais que o registo de humor do filme é mais subtil, talvez numa filiação de Jacques Tati, para que aponta a música de José Mário Branco, e tratamento do grupo de turistas, com uma excelente entrada precedida da guia e duma simbólica estrelícia da Madeira. O filme sai-se mal não só do humor mais carregado como do acentuamento dramático, por exemplo no episódio de abuso sexual das crianças no hotel, que acaba por ficar aquém da força dramática que se percebe. Da mesma forma, se há um evidente cuidado no argumento e na montagem (da responsabilidade da própria Solveig Nordlund) já a direcção de fotografia de Lisa Hagstrand é simplesmente mediana, medíocre mesmo nas cenas nocturnas do início e do final, portanto a um nível inferior ao da generalidade dos directores de fotografia portugueses, mesmo aceitando que um certo pendor neo-realista não seria muito compatível com um embelezamento gratuito da imagem.

 

Mas para além de todas as debilidades há que aplaudir a coragem dum filme que questiona as relações de exploração, ou mesmo de prostituição, que são próximas do turismo, e afinal de todo o olhar exterior como não pode deixar de ser o que o próprio filme oferece.

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