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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Capitães De Abril - Maria De Medeiros (2000)

AS HISTÓRIAS DA HISTÓRIA DO 25 DE ABRIL

 

Maria de Medeiros tinha 9 anos de idade em 25 de Abril de 1974 e vivia então em Viena de Áustria. Não viveu, portanto in loco a Revolução dos Cravos.

Mesmo a memória que possa ter da época mistura-se com certeza com toda a sua vivência posterior. Não deixa de ser surpreendente este seu projecto de fazer um filme sobre o 25 de Abril amadurecido ao longo de dez anos.

Maria de Medeiros iniciou uma carreira de actriz aliás muito nova em Silvestre de João César Monteiro e tem tido mesmo um particular sucesso internacional traduzido em importantes papéis em filmes inclusivamente norte-americanos como Henry & June de Philip Kaufman e Pulp fiction de Quentin Tarantino ou no prémio de interpretação no Festival de Veneza por Três Irmãos de Teresa Villaverde.

O desejo de passar para trás das câmaras e dirigir um filme manifestara-se já em algumas médias-metragens particularmente A morte de um príncipe (1991) a partir de um texto de Fernando Pessoa, mas Capitães de Abril mostra-se um projecto obviamente diferente ancorado numa ideia de cinema mais próxima da ficção dirigida a um publico mais vasto.


Uma flor na espingarda

O filme de Maria de Medeiros merece ser julgado pelo que pretendeu ser e não pelas projecções míticas dos vários filmes possíveis com que a autora teve a coragem de se debater. Tipicamente é um filme que representa o olhar de uma geração que já cresceu em liberdade e que olha a Historia com respeito mas sem complexos. Por isso Maria de Medeiros está interessada no lado dramático da própria noite da Revolução não pelo aspecto épico ou heróico, mas nos dilemas humanos que fazem dessa noite o momento de todas as decisões o verdadeiro espaço mítico da liberdade.

Questionar o filme porque nem tudo se passou exactamente assim é não perceber que a ficção pode ser a forma mais exacta de restituir o   que de verdadeiramente importante se passou. Por isso Maria de Medeiros se encanta tanto com as histórias como com a própria História e deixa o espectador saborear o tom até levemente  divertido de alguns momentos (e certos episódios foram mesmo reais) não recuando mesmo num toque leve de melodrama.

O filme é principalmente a homenagem sentida ao capitão Sal­ gueiro Maia figura romântica da revolução mas repare-se que foi o próprio projecto que levou a autora ao convívio fascinado com o capitão de Abril Evidentemente fazer uma leitura do filme apenas enquanto docudrama será não perceber que o que se retrata em Salgueiro Maia e mesmo o 25 de Abril dos capitães do MFA é do povo que por um tempo ousou sonhar.

A controversa cena íntima do par de namorados dentro de uma viatura militar se não é verosímil no plano da realidade é feliz como metáfora do desejo que ocupou o lugar das armas precisamente naquilo que de mais generoso tiveram o movimento dos capitães e as manifestações populares.

 

O mais amanhecido regime

Em Bom Povo Português de Rui Simões, filme documentário sobre os primeiros tempos da revolução, a narração diz que entre todos os regimes do mundo este parece ser o mais amanhecido. O filme de Maria de Medeiros procura ser fiel a essa diferença que não só foi fruto da evolução que o regime democrático português foi tendo, mas há que reconhecê-lo  com justiça estava inscrita na própria forma do levantamento militar da madrugada de 25 de Abril.

Capitães de Abril mostra o momento shakespeareano em que o homem parece ter nas mãos uma decisão de dimensão desproporcional. Tendo como momentos dramáticos fortes o confronto de for ças militares no Terreiro do Paço e a rendição de Marcelo Caetano no quartel do Carmo em Lisboa, o filme mostra como um golpe militar se constrói na generosidade dos vencedores e na aposta em evitar a violência que se pretende ultrapassar. É verdade que o regime deposto parece não ter na realidade forças para resistir, mas essa é também uma verdade que resulta da forma como as operações se processaram. 

Com a distância que o tempo permite é possível perceber que o 25 de Abril de certa maneira inaugurou uma série de transições de regimes ditatoriais para a democracia (a prosseguir em Espanha, na Grécia, na Europa de Leste, na América Latina, na África do Sul e  até  porventura em Timor)  numa  lógica  diferente de um ciclo anterior  perpetuador da violência que se alimentava das experiências de Kerenski entre os czares e os sovietes até Allende derrotado por Pinochet no golpe chileno aliás em Setembro de 1973 portanto poucos meses antes.

Fazer um filme de ficção sobre a madrugada do 25 de Abril era uma aposta arriscada. Maria de Medeiros ganhou-a tanto no aspecto narrativo e na realização cinematográfica como no ponto de vista que acolheu e que parece o mais fiel ao movimento de Abril. Está com certeza de parabéns. 

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 16/5/2000

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