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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Fintar O Destino - Fernando Vendrell (1998)

Nos últimos tempos têm estreado vários filmes portugueses. Com um mais fácil acesso à realização e à exibição nas salas de cinema, os jovens realizadores portugueses não estão já tão tentados a ter que mostrar num primeiro filme tudo o que valem. Talvez mais isso do que a crescente valorização das audiências, um pouco importada da experiência das televisões e da sua progressiva associação na produção de alguns dos filmes, tem condicionado uma diferente cultura no nosso cinema mais jovem.

Pode dizer-se que a "política de autor", em tempos defendida, por exemplo, pelos "Cahiers du cinèma", com a valorização do autor a sobrepôr-se a cada uma das suas obras, talvez não seja mais o registo em que cada novo filme português é apreciado. Ao estrear-se na realização, com "Fintar o destino", por exemplo, Fernando Vendrell já não tem tanto que mostrar se é (ou será) um "autor" e de certa maneira traçar o seu destino, podendo preocupar-se apenas em contar uma história.

"Fintar o destino" é um filme simpático, que revela uma boa gestão dos seus meios, ao serviço de uma história no entanto relativamente ingénua. Como outros filmes recentes, de "A casa de lava" a "O testamento do senhor Nepumoceno" e "Ilhéu de contenda", muito diferentes entre si, o filme de Fernando Vendrell tira partido da rodagem em Cabo Verde.

Mané (Carlos Germano) é um lojista de 50 anos, apaixonado pelo futebol e antigo guarda- redes de notoriedade local, com uma vida que passou ao lado duma hipotética carreira em Lisboa no Benfica, cuja nostalgia a meia-idade acentua. Parte do filme traça esse sonho não realizado do protagonista, encaminhando-se para uma vinda a Lisboa para assistir a uma final da Taça de Portugal numa aproximação dessa ausência de aventura da sua vida. Sair da ilha, nem que seja momentaneamente é o destino que não se pode fintar, mas, ao abordar os sentimentos com sobriedade e justeza, o filme de certa maneira vai mais longe e trata a história individual com os seus êxitos e as suas frustrações, nas ligações com os outros, como se cada homem pudesse ser também em certo sentido uma ilha.

Dominando bem o cenário, a narrativa e as interpretações, "Fintar o destino" tem alguma qualidade expressiva e não cai nas armadilhas para que as características melodramáticas do argumento o poderiam ter conduzido. Em todo o caso é evidente que o argumento é em si mesmo débil, com uma estrutura demasiado óbvia, onde os personagens e situações são demasiado simples, apesar do tratamento que a câmara de Fernando Vendrell lhes procuram dar. Pode dizer-se que esse ponto de partida limitou o filme, no entanto bem conduzido de um ponto de vista narrativo, especialmente tratando-se de uma primeira obra. Acredita-se que Fernando Vendrell se dispuser de um argumento mais consistente possa dirigir um filme onde as qualidades agora reveladas possam levar a um resultado mais interessante.

O futebol está muito significativamente ligado à estrutura narrativa de "Fintar o destino". Esse facto representa um desafio de um ponto de vista narrativo, já que se trata de montar um espectáculo (o cinema) seguindo a estrutura de um outro espectáculo (o futebol).

A história do cinema está cheia de exemplos em que esse duplo registo atrapalhou a direcção cinematográfica, sendo o mais notório exemplo "Fuga para a vitória" (também sobre o futebol, numa partida disputada num campo de concentração nazi, propiciando uma fuga de prisioneiros), derrota cinematográfica de um realizador da craveira de John Huston. Dizer que isso sucedeu por uma menor familiaridade dos americanos com o futebol (nos Estados Unidos conhecido como "soccer") é só parte da verdade, já que a dificuldade de integrar na narrativa, sem quebras de ritmo, e  até de filmar uma partida desportiva não em jeito de reportagem mas numa lógica narrativa e expressiva, tem caracterizado filmes cujo argumento gira em torno de outros desportos.

Fernando Vendrell sabe "fintar" essa dificuldade, ou, se quisermos, resolve com sucesso a angústia do guarda-redes no momento do "penalty", como dizia o título de Wim Wenders e Peter Handke. Na realidade "Fintar o destino" sai-se bem das imagens dos treinos de futebol em Cabo Verde e ao optar pelo registo televisivo para as imagens da final da Taça soube integrar da melhor forma toda uma memória audiovisual das partidas de futebol, em relação às quais uma outra forma de as filmar poderia na prática distanciar o espectador de uma forma inapelável.

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 18/1/1999

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Este é um blog sobre cinema, particularmente sobre os filmes portugueses entre 1972 e a actualidade e os filmes em exibição nas salas de cinema portuguesas

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