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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Inês De Portugal - José Carlos Oliveira (1997)

Cromos e papelão 


O episódio histórico de D.Pedro e D. Inês de Castro faz parte de um imaginário romântico que já inspirou alguma literatura de ficção histórica e peças de teatro. "A rainha morta", trasladada com pompa para o mosteiro de Alcobaça, após declaração de um casamento em segredo durante a vida, tornando legítimos os filhos havidos da ligação, tem também contornos de intriga política, que aparentemente interessaram mais os autores de "Inês de Portugal", José Carlos Oliveira (realizador) e João Aguiar (argumentista). De D. Pedro, para além da imagem de justiceiro, alicerçada particularmente na crónica do seu reinado de Fernão Lopes, fica sobretudo a vingança exercida sobre os nobres responsáveis pela morte de Inês de Castro, durante o reinado de seu pai, D. Afonso IV.Naturalmente tudo isto daria matéria para diversos tipos de tratamento dramático, mas o que surpreende no fracasso de "Inês de Portugal" não é a proverbial dificuldade de rodar um filme histórico com a magreza orçamental de que o cinema português dispõe (nesse aspecto mesmo José Carlos Oliveira sai-se menos mal, talvez aproveitando a experiencia narrativa de anteriores trabalhos sobretudo em séries de televisão) mas a inépcia da própria estrutura dramática, associada a uma medíocre direcção de actores, de que só escapa verdadeiramente Ruy de Carvalho no papel de D.Afonso IV.Os autores optam por contar a história dos amores de D.Pedro e D. Inês em "flash-back",várias vezes retomado mas sempre com pouca garra de tal forma que a mais impressiva imagem da sua relação é uma troca de olhares furtiva durante um banquete público. A intriga que conduz o filme situa-se entre a prisão dos responsáveis da morte de D.Inês e a sua execução com os pormenores que a história regista, dos corações brutalmente arrancados. Para que essa estrutura dramática pudessse funcionar seria preciso entender o dilema do rei, preso de um compromisso anterior de não vingança. Ora isso é tratado no filme através de diálogos, também na generalidade de menor qualidade dramática, entre os nobres da corte, mas não implicando directamente o rei. O resultado é que não há nada que verdadeiramente conduza a história, a não ser o que cinematográficamente se revela menos interessante, que é o objectivo, a rigor nem sequer didacticamente interessante, de procurar uma espécie de ilustração histórica.Não preside assim à construcção de "Inês de Portugal" qualquer ideia mais do que a de transportar o espectador a testemunha visual de uma certa verosimilhança de um episódio que supostamente conhece. O filme aliás também não procura verdadeiramente acrescentar qualquer coisa à ideia dominante, e é essa espécie de ingenuidade estética que o torna um objecto completamente desinteressante.Claro que não se exigiria de um simples filme (dir-se-á) a responsabilidade de uma nova tese que poderia competir aos historiadores, e também nem sempre se tem que tomar a história como ponto de partida de uma elaboração poética, que sempre se poderá considerar abusiva (mas quem vai condenar Shakespeare por essa razão?) . O certo é que qualquer filme como objecto de criação ( e não de suposta reprodução) mesmo que não tenha grandes ambições artísticas se tem de confrontar com estas questões. Ao ter evitado responder-lhes, como se disso não se tratasse , "Inês de Portugal" só pode andar à deriva de uma forma particularmente penosa porque se opta pelas soluções mais banais, aos diferentes níveis que vão da cenografia às interpretações, dos diálogos à própria concepção das personagens.O filme parece esperar ser absolvido pela ideia que a simples ilustração, ou seja, a procura de colocar em imagens uma história conhecida dos compêndios da escola ou de referencias literárias, tem em si um mérito especial ligado com a importância que hoje em dia assume o audiovisual. Mas isso em si é enganador e, se em tempos idos uma certa ideia nacionalista podia tornar os episódios da história de Portugal objecto de cromos coleccionáveis, hoje esse cinema de cromos e papelão (no sentido do papel dramático a nível de récita escolar, já que o filme pôde recorrer a muitos edifícios antigos por cenário que dispensou o "décor" de papelão que algum cinema histórico, particularmente fora de Hollywood e até aos anos cinquenta, não conseguia disfarçar) é completamente dispensável.O episódio de D. Pedro e D. Inês fôra abordado, de forma mais extensa aliás, precisamente nesses tempos outros, numa co-produção luso-espanhola realizada por Leitão de Barros em 1945 com o título "Inês de Castro". Retomar hoje o tema exigia ter em conta toda uma evolução da sociedade portuguesa e não só, da cultura, e também do próprio cinema. Ainda talvez hoje se justifique o espectáculo que fascinava Leitão de Barros, mas não basta saber mais ou menos as circunstancias da época e usar a bel-prazer o património arquitectónico disponível. Mesmo um cinema de entretenimento ou didáctico, num primeiríssimo grau, precisa de talento, e disso houve muito pouco em "Inês de Portugal" (título além do mais enganador dado o plano secundário em que o filme deixa a personagem de Inês).

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 12/7/1997

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