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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Manuel Guimarães

MANUEL GUIMARÃES (1915-1975)

António Roma Torres

(in Diccionario del Cine Ibero-Americano, España, Portugal y América, vol. 4, pgs. 552-553, Sociedad General de Autores y Editores, Barcelona, 2011)

 

É o principal sacrificado dos "equívocos" do neorrealismo, como lhes chama Roberto Nobre (Singularidades do Cinema Português, Portugália, 1964), de que nunca se liberta. Estuda pintura na Escola de Belas Artes do Porto, expondo os seus trabalhos pela primeira vez em 1933. A sua formação artística evidencia-se em grande número das suas curtas-metragens. Vivendo no Porto trabalha como assistente de realização em Aniki Bobó de Manoel de Oliveira (1942) e realiza uma curta-metragem sobre Soares dos Reis, O Desterrado (1949). Durante a década de 1940 é assistente de realização de António Lopes Ribeiro em Amor de Perdição (1943) e Frei Luís de Sousa (1950), de Jorge Brum do Canto em Ladrão, Precisa-se (1946), de Arthur Duarte em O Leão da Estrela (1947) e O Grande Elias (1950), de J. Moreira em Bola ao Centro (1947), de Armando Miranda em Uma Vida para Dois (1949) e A Volta de José do Telhado (1949). 

O seu filme de estreia é Saltimbancos (1951), adaptação da novela O Circo de Leão Penedo. O ambiente decadente do circo poderia evocar Chaplin ou Fellini, ainda que La Strada deste último seja posterior (1954), mas a sua abordagem está mais relacionada com a estética literária do "realismo socialista", que impõe uma tendência heróica e moralista, que com o neorrealismo italiano ou incluso o realismo poético em que alguns filiam Aniki Bobó em que como se referiu foi assistente de realização. Não totalmente conseguido, o filme mantém-se destacado e, passada uma década, os primeiros passos do Cinema Novo com Ernesto de Sousa buscam novamente a inspiração em Leão Penedo. Manuel Guimarães é acolhido com simpatia no movimento filmando para as Produções Cunha Telles O Crime da Aldeia Velha e O Trigo e o Joio. O intérprete principal, Artur Semedo, confia-lhe em 1972 a realização do seu argumento Lotação Esgotada, numa época em que se dedica à produção com Burgueses, Malteses e às Vezes que Semedo dirige (1974) e com Sofia ou a Educação Sexual de Eduardo Geada (1974). 

Nos anos seguintes filma dois projectos de cariz popular a que está ligado Alves Redol, Nazaré, com Virgílio Teixeira e Artur Semedo, como dois irmãos de características opostas, e Vidas Sem Rumo, com Milu e Eugénio Salvador, os dois filmes ainda ligados à estética do "realismo socialista". Manuel de Azevedo escreve sobre este último filme que "àqueles personagens, como que arrancados das páginas de Gorki, falta-lhes solidez e humanidade, ou pelo menos suficiente força simbólica" (citado por J. Matos Cruz em Cais do Olhar). Podem invocar-se as restrições económicas e a censura, particularmente no caso de Vidas Sem Rumo, mas o principal problema desta opção neorrealista reside nas limitações da reflexão estética e do talento para transformar ideias sem dúvida ricas em imagens em movimento.

Em 1957 A Costureirinha da Sé marca um regresso ao Porto, a partir de uma obra de teatro musical de A. Leite e H. Campos Monteiro, que teve certo êxito nos palcos uns anos antes, protagonizada por Maria Clara. O filme passa-se num meio popular, mas transformado pela convenção musical. O seu fracasso quiçá ficou a dever-se à escolha de Maria de Fátima Bravo, popular cantora de Vocês Sabem Lá e Nem às Paredes Confesso, nesse ano em que também se inicia a televisão em Portugal e em que se tenta que o cinema português vá a reboque de outros meios que o público privilegia.

Quando surge o Cinema Novo orquestrado por Cunha Telles, Manuel Guimarães parece ser o único dos antigos cineastas capaz de acompanhar a iniciativa e é assim que Cunha Telles produz dois dos seus filmes. 

O Crime da Aldeia Velha (1964) baseia-se num caso verídico e em Bernardo Santareno, paralelo a As Bruxas de Salem de Arthur Miller. A adaptação cinematográfica volta a cair no equívoco neorrealista, talvez no intento de corrigir o fracasso do filme anterior. Mas o texto dramático, de um erotismo reprimido que resiste à naturalização do ambiente cenográfico, é nas cenas dramáticas de interiores, particularmente nas que intervém o padre, interpretado por Rui Gomes, que o filme consegue uma força, que a disputa entre Rogério Paulo e Mário Pereira não tem, se bem que esta opção que é a que mais se aprecia agora na época foi desvalorizada pela generalidade da crítica. Guimarães não sabe ou não quer recriar o tema e o filme vai sempre por caminhos incertos, ainda que atinja algum mérito.

O Trigo e o Joio (1965) enreda-se na adaptação literária de um romance de Fernando Namora passado no Baixo Alentejo e retomando o conceito de um cinema vinculado à terra. Antes destes dois filmes Manuel Guimarães tinha sido outra vez assistente de António Lopes Ribeiro no fracassado O Primo Basílio (1959) e o seu objectivo parece ser a substituição da literatura do século XIX por textos mais actuais.

Lotação Esgotada (1972) é uma comédia de um cineasta que não parece muito dado ao sentido de humor. Artur Semedo assina o argumento e interpreta o papel principal. A história retomada depois por uma telenovela brasileira trata da dificuldade de inaugurar um cemitério novo numa localidade onde subitamente não morre ninguém. O filme satiriza os políticos locais e o poder numa época já perto da revoolução de 25 de Abril de 1974. Guimarães considera então que "a única oportunidade que surgiu foi esta esta; aproveitei-a mas tentei dizer ao público algo que valesse a pena e não com o propósito de explorar as idiotices que as nossas comédias de uma forma geral abordam". O filme não mereceu as "lotações esgotadas" do título, mas não é justo que se tenha transformado num filme esquecido.

O último filme de Guimarães é já rodado em período de liberdade, mas a doença mina-o tal como ao protagonista de Cântico Final de Vergílio Ferreira (1976), a ponto de não chegar a terminá-lo, sendo o seu filho Dórdio Guimarães quem conclui a montagem. É a história de um professor do ensino secundário (Ruy de Carvalho) que sabendo-se ameaçado por um cancro, decide dedicar-se ao seu talento de pintor, na ornamentação da capela da sua aldeia natal. É uma obra digna, uma espécie de reflexão final de um cineasta, e também de um pintor, a quem os obstáculos sempre cercearam a sua experiência plena, mas uma vez mais o seu cinema parece demasiado dependente da sua origem literária. Adaptando no final da carreira escrotores como Fernando Namora e Vergílio Ferreira, que muitas vezes são contrapostos ao ideário neorrealista inicial, o peso da literatura sempre se fez sentir em demasia na obra de um cineasta que paradoxalmente proveio das artes plásticas e que sempre se manteve ligado às artes gráficas nos períodos de menor produtividade cinematográfica, geralmente provocada pela débil produção da década de 1950, "a mais cinzenta do cinema português" nas palavras de João Bénard da Costa (1985).

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