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Foto do escritorAntónio Roma Torres

O Bobo - José Álvaro Morais (1987)

OS MITOS DA FUNDAÇÃO 

A. Roma Torres, A Grande Ilusão, 9, Dezembro/1989, pg. 44 

 

Há três ou quatro acções em certo sentido confluentes em O Bobo, primeira longa-metragem de José Álvaro Morais, enquanto por outro lado o fio condutor da narrativa é um flash-back dialogado entre Rita (Paula Guedes) e Francisco (Fernando Heitor).

No plano real há a encenação da peça inspirada no romance de Alexandre Herculano - os ensaios vão mostrando um espectáculo em construção que só se vai definitivando na estreia.

No referente histórico é não só o contexto da fundação de Portugal, como também um triângulo amoroso, Garcia/Egas/Dulce, em certo sentido paralelo do outro triângulo do real, João/Francisco/Rita, e o clímax que é a penetração de Dom Bibas no Castelo de Guimarães, salvando Egas. 

Na história pessoal há o dilema de sair para o estrangeiro (Francisco) ou ficar em Portugal (Rita), num momento de refluxo pós-revolucionário, em que se torna necessário vender as armas que João (Luís Lucas) tem em seu poder para viabilizar a ida para o estrangeiro.

O entrelaçar de todas estas situações resolve-se com grande habilidade narrativa, podendo dizer-se que em todos os casos há uma incerteza, própria de todos os processos de gestação.

O filme teve ele próprio uma gestação difícil que não parece ter prejudicado seriamente a sua unidade narrativa mas inevitavelmente a terá marcado. O Bobo aborda um tempo histórico da revolução perdida, presente em alguns filmes portugueses de A Confederação, Bom Povo Português ou Gestos & Fragmentos a Ninguém Duas Vezes. De certa maneira fala-se de um projecto revolucionário abortado, e da aceitação de um reencontro com o ser português, traduzido na decisão de ficar, afinal paralelo do gesto fundador que serve de pano-de-fundo ao romance de Herculano (não será por acaso que a personagem se chama Rita Portugal).

Por outro lado a história de amor e separação entre Rita e Francisco, com o reencontro após a morte de João que abre o filme e se reflecte no flash-back, também se passa sob o signo da gestação (ou abortamento), com uma rivalidade curiosa entre Rita e João na ligação de ambos a Francisco  (atente-se na sugestão do flash-back da amizade de infância de ambos, uma das cenas rodadas já na última fase de feitura do filme).

No fundo, a questão das identidades está no centro de O Bobo - e precisamente o bobo como personagem mascarado, ou o seu equivalente teatral a aproximar-se do entertainer de Cabaret, são também referentes dessa questão. Trata-se realmente da identidade pessoal, sexual, artística (o teatro ou o cinema como ocupação principal dos protagonistas), mas também da identidade colectiva, histórica, nacional.

O que se pode realçar na escrita cinematográfica eficaz de José Álvaro Morais é a forma como O Bobo se defende da aparente hipersaturação de narrativas e de significados, articulando os tempos e os espaços com perfeição, cuidando das sinalizações espaciais, ao nível da cenografia, e da direcção de actores, com uma noção da economia narrativa que só se perde, talvez, nas cenas do ensaio, por vezes demasiado longas e num ritmo solene que se não coaduna com o restante filme.

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