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Foto do escritorAntónio Roma Torres

O Processo Do Rei - João Mário Grilo (1989)

A AUSÊNCIA DO REI


(...) O Processo do Rei é um filme histórico e não é por acaso que esta vertente começa no final dos anos 80 a preocupar os cineastas portugueses (veja-se O Desejado e os filmes em rodagem, Aqui D'EI-Rei, de António-Pedro Vasconcelos e Non ou a Vã Glória de Mandar de Manoel de Oliveira). Aparentemente, trata-se de reflectir nesta encruzilhada histórica sobre a identidade nacional e João Mário Grilo ao retomar o processo do rei Afonso VI, afastado do trono na sequência da anulação do casamento, aliado com interesses do rei de França e a recente emancipação portuguesa do domínio dos Filipes de Espanha no reinado anterior de João IV, naturalmente estará a pensar nas ligações de Portugal com a Europa, novamente na ordem do dia, e na questão do Poder como zona de interligação com o exterior.

O cinema de João Mário Grilo evoca de alguma maneira o Rossellini da última fase no seu gosto pela objectividade da História. Assim se justificam as citações do processo em detrimento da recriação dramática que comprometeria mais uma interpretação do cineasta. A ausência de dramatização é, no plano formal, o equivalente à ausência do rei, que cria um vazio do Poder, e que  se  pode  entender tanto no plano conjugal e na impotência sexual, e que a posterior esterilidade da rainha deixa supor, como na sensibilidade do rei nos olhares, com todas as suas características paranoides, mas também no contexto em que a intimidade é oferecida em espectáculo público. A este respeito uma das chaves de leitura dum filme que aparentemente ilustra a História mais do que quaisquer interpretações, surge nos comentários ao quadro sobre Afonso VI e as batalhas com os mouros, onde o rei se mostra diríamos patologicamente sensível aos olhares e mostrando a ocultação como uma das estratégias de poder, o que, dado o isolamento do rei e a inoperância   do seu ministro, conde de Castelo Melhor, acaba por o perder.

Talvez O Processo do Rei não aprofunde devidamente as questões que coloca, mas o filme de João Mário Grilo acaba por se ganhar na aparente convicção posta ao serviço de um relato estruturado nos documentos da época e no excelente trabalho de fotografia (Eduardo Serra) e de cenografia. Por último, cabe uma palavra para a interpretação de Carlos Daniel no papel de Afonso VI, praticamente o único que consegue esse objectivo paradoxal que é dar corpo a um vazio.

 

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 10/2/1990

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