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Foto do escritorAntónio Roma Torres

O Pub The Old Oak - Ken Loach

A ESPERANÇA EM CENA

António Roma Torres


O pub The Old Oak é o ponto de reunião dos reformados pobres de uma povoação fantasmática do condado de Durham no nordeste do Reino Unido após o fecho das minas de carvão, onde outrora houvera solidariedade e uma luta empenhada nas históricas greves de 1984 e hoje habita o desânimo e a tristeza.

T.J. (Dave Turner) é o dono do bar, gentil e atencioso, distribuindo com Laura (Claire Rodgerson), activista solidária, na sua carrinha bens alimentares pela população mais desfavorecida, mas saído de uma crise suicidária após a separação conjugal e corte de relações com um único filho.

O Pub The Old Oak abre com a chegada a esta cidade deprimida de um autocarro com um grupo de refugiados sírios que a Segurança Social para aí desloca a ser recebido com hostilidade pela população local. Na confusão que se estabelece destaca-se a jovem Yara (Ebla Mari) que empunha uma câmara fotográfica e regista algumas imagens até que um elemento local a empurra e faz deixar cair a máquina, assim estragada.  

A jovem, percebemos rapidamente, fala um inglês escorreito que aprendeu com esforço no campo de refugiados onde esteve, e a fotografia, que pratica com a câmara que o pai, agora preso no país natal, lhe oferecera e permite uma forma de olhar o mundo e sobreviver à situação de desespero e abandono por que passa, ela e a sua restante família.

Lançados os dados, o filme desenvolve-se com grande maestria, segundo um argumento de Paul Laverty, colaborador desde A Canção de Clara (1996) do celebrado realizador britânico Ken Loach, que aos 87 anos parece adiar ele próprio a reforma pela urgência do combate político tendo reingressado no partido trabalhista que abandonara no tempo de Tony Blair sob a liderança de Jeremy Corbyn com quem rodou um filme-entrevista em 2016, e daí para cá dirigiu com particular sucesso Eu, Daniel Blake e Passámos por Cá, a que O Pub the Old Oak se sucede com naturalidade, voltando a distanciar-se dos trabalhistas agora sob a liderança de Keir Starmer, enquanto os conservadores se sucedem no governo por mais de década e meia.

O cinema de Loach é claramente social, até directamente político, mas não lhe falta o talento cinematográfico e a capacidade de contar boas histórias com personagens que se aproximam do público popular, e juntando um rigor ético extraordinário a uma excelente expressão criativa em que se baseia uma carreira nada menos do que exemplar, já desde Kes - Os Dois Indomáveis, filme de 1969 sobre um rapaz da classe trabalhadora com mau aproveitamento escolar e vítima de bullying, precocemente destinado às minas, enquanto no tempo livre de forma auto-didacta ganha competências no cuidado e treino de um falcão.

É conhecida a controvérsia sobre a política de emigração e não acolhimento de refugiados sob sucessivos governos britânicos conservadores e o filme de Loach parte claramente de uma divisão social para mostrar como a população mais pobre pode experimentar a confluência de interesses dos nacionais e dos migrantes.

Por duas vezes T. J. olha o mar com pensamentos suicidas, mas em ambas os seus intentos são interrompidos, da primeira vez pelo aparecimento providencial de uma cadela, Marra, que acabará por vir a ser morta com a conivência dos seus inimigos (conta ele em flashback a Yara), e da segunda pelo aparecimento de Laura que lhe vem comunicar o falecimento do pai de Yara nas prisões sírias.

Esse é o momento de luto que acaba por unir as duas comunidades já mais aproximadas e na realidade o luto parece ser um passo necessário para voltar à acção que no filme está associado à câmara fotográfica que permite o distanciamento e a tomada de consciência (como se torna evidente quando a recém-chegada Yara descobre no pub a sala de trás desactivada onde estão expostas as fotografias da greve mineira de 1984). E é nessa sala que vão abrir um refeitório gratuito porque "quando comemos juntos entendemo-nos melhor", lema escrito numa das fotografias.

Há uma cena central no filme onde Yara entra na catedral de Durham e se deixa inspirar pela música e T. J. a acompanha apesar de antes se ter recusado e ela recorda as ruínas da antiga cidade síria de Palmira e conta-lhe de uma amiga que perante a desunião e destruição dos tempos actuais diz que "a esperança é obscena", para logo o filme passar para uma exibição em diapositivos das fotografias a preto e branco de Yara terminando com a oferta da população síria de um novo pendão para a procissão anual.

É a esperança que Ken Loach reivindica como um direito de a pôr em cena mesmo com todas as desilusões da realidade, que o filme aliás não escamoteia, e fá-lo com um grande sentido de empatia e diálogo a que as interpretações de Dave Turner e Ebla Mari dão o tom justo que a direcção de fotografia de Robin Ryan e a música de George Fenton complementam de forma eficaz que granjeou ao filme os prémios de audiência nos Festivais de Locarno, Valladolid e Calgary. Embora seja a esperança que, como a dada altura diz Yara, causa tanta dor.

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