top of page
Foto do escritorAntónio Roma Torres

Os Três Irmãos - Teresa Villaverde (1994)

O QUE É A TRISTEZA?

 

Tristeza é quase chorar, diz uma criança em off em Três Irmãos de Teresa Villaverde num dos diálogos infantis que pontuam o filme e funcionam talvez um pouco na linha do que acontecia em Idade Maior, filme anterior da cineasta, como memórias da infância ou uma espécie de flash back que se situa apenas na banda sonora - na realidade segundo o genérico final são textos infantis colhidos por Maria Rosa Colaço e que se assemelham à génese de um novo projecto que Teresa Villaverde tem anunciado baseado precisamente nas vivências infantis.

 

O filme procura assim o retrato dos sentimentos de dor de uma população em que há sinais evidentes, mas não exacerbados de pobreza. Teresa Villaverde fala de uma realidade penosa, sofrida, mas fá-lo com um evidente desejo de contenção. Há claramente uma memória neo-realista que informa o filme, mas Teresa Villaverde procura uma resposta actual e não simplesmente fórmulas ou opções estéticas já consagradas ou eventualmente datadas no tempo. Por isso Três Irmãos assume o risco inclusivamente na fronteira com o que se poderia entender como melodrama.

 

Na fase de projecto Três Irmãos tinha o subtítulo rosselliniano de Europa Anos 90, a personagem de Maria (Maria de Medeiros) foi equiparada pela crítica italiana a Gelsomina de A Estrada de Fellini, a cena do casamento pode evocar Mama Roma de Pasollini, e as observações das crianças parecem descender dos diálogos dos miúdos de Aniki Bobó de Manoel de Oliveira quando após o acidente de Eduardito olhando para o céu perguntam quem acende as estrelas.

 

Mas não é já a realidade político social como campo novo do verosímil cinematográfico que Teresa Villaverde parece em primeiro lugar querer mostrar, mas talvez sentimentos que num certo clima eufórico da cultura actual tendem a ficar ocultos. Mas mesmo assim é talvez ao neo-realismo italiano que ainda se deve buscar a referência particularmente aos filmes de Vittorio de Sica e Cesare Zavattini, Ladrões de bicicletas ou Umberto D, por exemplo.

 

Três Irmãos acompanha as personagens com um tempo narrativo que passa além do imediato, por exemplo quando se demora no rosto de uma personagem depois do diálogo terminado numa duração que é a da ressonância do sentimento. Esse tempo que o filme domina com perfeição é o do quase chorar de uma interioridade que dá ao filme uma unidade narrativa que, por exemplo, Idade Maior deixava perder em toda a segunda parte.

 

Cesare Zavattini falava de fazer ver a duração real da dor de um homem e da sua presença ao longo do dia, não um homem metafísico, mas o homem que nós encontramos na esquina de rua e por isso a essa duração real devera corresponder uma contribuição real da nossa solidariedade ou dizia que o homem está aí diante de nós e nós podemos ver au ralenti para verificar o peso concreto de cada minuto da sua presença, e Teresa Villaverde, sem copiar uma postura que no cinema de hoje não poderia ser a mesma, reactualiza a lição e se quisermos fá-lo no feminino.

 

Embora intitulado Três Irmãos o filme de Teresa Villaverde é obviamente sobre Maria e pode dizer-se que a excelente interpretação de Maria de Medeiros lhe dá toda a dimensão requerida. Não que o resto seja acidental. O filme pretende perceber a personagem num contexto que é de sofrimento, mas se o percurso e claramente suicidário (não apenas no que respeite à personagem de Maria, mas também à mãe, ao irmão mais novo, etc.) na mesma linha temática de A Idade Maior pelo lado interior dos sentimentos, aquilo que nos fala é de sobrevivência e até de resistência. A grandeza da personagem de Maria, dramática e se quisermos pouco verosímil, é a dos personagens puros, um pouco aliás como a protagonista de Nuvem de Ana Luísa Guimarães, um outro filme português e feminino com o qual Três Irmãos guarda alguns pontos de contacto.

 

Por isso à persistente pergunta, o que é a tristeza, o filme responde no final. Tristeza é quando se morre. E Maria é daqueles personagens que não se pode deixar morrer. Aliás Três Irmãos começa logo sob o signo do risco de um salto mortal e da desprotecção que atinge não apenas as crianças, mas em certo sentido todo o ser humano.

 

Se A Idade Maior tinha sido uma promessa, Três Irmãos é necessariamente a certeza de uma cineasta que combina a força dramática e o sentido narrativo num mundo criativo que tem obsessões próprias (a separação dos pais, o suicídio) mas consegue apontar uma linha de desenvolvimento expressivo de grande maturidade e ao mesmo tempo clareza.

 

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 26/11/1994 

0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Sobre nós

Este é um blog sobre cinema, particularmente sobre os filmes portugueses entre 1972 e a actualidade e os filmes em exibição nas salas de cinema portuguesas

bottom of page