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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Os Verdes Anos Oitenta

A. Roma Torres, A Grande Ilusão, 6, Setembro/1988, pgs. 32-33

 

 

 

 

As gerações não surgem por decreto nem decorrem dum puro critério biológico. Sucedem-se ou substituem-se nas ondas das diferentes circunstâncias e de marcantes opções estéticas ou ideológicas.

 

Há anos no Festival da Figueira da Foz pretendeu-se lançar um "novíssimo cinema português". A operação foi um  fracasso porque nada unia as curtas e médias metragens então exibidas, a não ser o facto de serem primeiras obras. E dos autores então emparceirados pela política do IPC apenas João Botelho, então co-autor de Alexandre e Rosa, se viria a firmar nos anos seguintes. Aliás esse cinema, então apresentado, nem sequer era novo já que inclusivamente se recuperavam esquemas mais clássicos, por exemplo em Os Lobos de Pedro Bandeira Freire e O Peixinho Vermelho de António Drago, por sinal dois autores que não lograriam assinar qualquer filme de longa metragem, derivando para outros campos de criação.

 

Entretanto essa ideia do "novíssimo cinema" partia de uma análise do cinema novo português que claramente parecia não ter deixado lugar aos mais novos que iam chegando. A geração marcante do que fôra o novo cinema era agora uma geração de prestígio de um cinema português com progressiva audiência além-fronteiras.

 

Os anos oitenta vieram romper com esse estado de coisas já que o envelhecimento biológico é irrecusavelmelmente um sinal de instabilidade. Aqueles que eram os novos cineastas rondam agora os cinquenta anos, prolongando-se por um grupo intermédio de que farão parte João Botelho e Jorge Silva Melo, ou ainda Luís Filipe Rocha  e João Mário Grilo (e até certo ponto José Álvaro Morais e José Nascimento que só agora, respectivamente com O Bobo e Repórter X assinam as suas primeiras longas-metragens de ficção mas já antes apareceram em projectos ligados à primeira geração.

 

Talvez não se possa ainda estabelecer claramente o que distingue esta geração que surge na segunda metade dos anos oitenta com Joaquim Leitão (Duma Vez Por Todas), Vítor Gonçalves (Uma Rapariga no Verão), Margarida Gil (Relação Fiel e Verdadeira), Cristina Hauser (Junqueira), João Canijo (Três Menos Eu), e Joaquim Pinto (Uma Pedra no Bolso). Os temas são diversos embora a história de amor tenda a substituir as mais claras referências sociais. Parece haver uma maior atenção aos problemas do indivíduo, quase sempre retratado numa evidente solidão (mesmo nos filmes de Margarida Gil e Cristina Hauser que se localizam num outro tempo histórico). Esteticamente as apostas são diversas mas não se assiste a uma sofreguidão expressiva que caracterizou o cinema português da década anterior, Cada autor já não pretende pôr tudo num filme, com a consciência de que uma carreira não se faz duma vez por todas numa primeira obra. Isso corresponde por vezes a uma maior modéstia de orçamentos (João Canijo e Joaquim Pinto apenas tiveram subsídios do IPC para a conclusão dos seus filmes financiados de forma, à partida, mais autónoma). Os resultados em certa medida aceitam um certo padrão de vulgaridade, não se fazem apostas definitivas, a própria idade dos cineastas permite-lhes pensar que há tempo...e que as oportunidades surgirão com menos dificuldades que as experimentadas pela geração anterior.

 

Mas o cinema desta nova geração de cineastas não exclui necessariamente as referências e a memória de uma cinematografia que tem agora a sua tradição. Nos anos sessenta tratava-se de partir do zero, de um cinema inexistente que deixava que deixava já lá muito para trás os tempos de António Silva e Vasco Santana, de Leitão de Barros e António Lopes Ribeiro. Era um cinema depois de pelo menos uma década da mais completa nulidade.

 

Talvez o que distingue esta nova geração é que a sua afirmação passa mais pelos filmes e menos por um discurso de autor - as suas características não se afirmam em entrevistas de fundo na imprensa já que os novos cineastas ao contrário da geração anterior vêm da escola de cinema ou duma precoce iniciação nas equipas de produção de cinema e não das páginas dos jornais e das revistas de artes e letras. Em Três Menos Eu de João Canijo há um evidente contraste entre a fluidez do seu desenvolvimento da acção e um monólogo de Paulo Rocha sobre a música japonesa. Registe-se a homenagem ao autor de Verdes Anos, embora a actual geração não chegue a Lisboa já pela via da memória neo-realista, mas também o reconhecimento de que esta geração já faz filmes mas não ocupa (ainda?) o lugar do discurso.

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