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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Sem Sombra De Pecado - José Fonseca E Costa (1983)

CRÓNICA DA TRANQUILIDADE APARENTE


No percurso criador de José Fonseca e Costa, SEM SOMBRA DE PECADO é provavelmente o sinal da maturidade. Baseado num conto de David Mourão Ferreira intitulado «E aos costumes disse nada» e incluído no livro «Gaivotas em terra», SEM SOMBRA DE PECADO é uma história curiosa narrado com evidente gozo sem cair, no entanto, na sem cerimónia de alguns simples exercícios narrativos.

Por detrás da anedota do misterioso jogo de sedução que Maria da Luz (Vlctoria Abril) exerce sobre o ingénuo aspirante Henrique Andrade (Mário Viegas), pontuado por oportunos apontamentos do ambiente lisboeta dos anos quarenta e da vida de um quartel num tempo de neutralidade face a uma guerra distante que, no entanto, marca visivelmente o quotidiano, surge nos uma série de referências que facilmente identificam o cinema de Fonseca e Costa, não tanto pelo estilo visual ou narrativo, mas principalmente pelos símbolos e fantasmas a que frequentemente recorre.

No entanto SEM SOMBRA DE PECADO constrói-se numa aparente tranquilidade como se nada de importante se tratasse, sem quaisquer rituais de erudição cinematográfico ou álibis de chancela cultural.

Tal como Maria da Luz se exprime numa naturalidade «sem sombra de pecado» utilizando o verso do fado do Frederico de Brito «O que sobrou de um queixume» que Carlos do Carmo interpreta no filme, também Fonseca e Costa pretende a mesma pureza ambígua, se assim se pode dizer, sem nada que seja pesado (ou pensado) mas onde uma outra dimensão se pode adivinhar sem dificuldade.

É curioso verificar que sendo constante no seu cinema o tema da clandestinidade onde o oculto se revela de alguma maneira numa forma cifrada, seja na acção política (em O Recado, Os Demónios de Alcácer Quibir e Kilas, O Mau da fita) ou na sedução amorosa (em SEM SOMBRA DE PECADO) seja ainda nos espaços de representação (os malteses de Os Demónlos de Alcácer Quibir, a revisto e o teatro de Kilas e SEM SOM BRA DE PECADO) ou nos fantasmas dos imaginários pessoais e colectivos (o palácio de D. Gonçalo em Os Demónios de Alcácer Quibir», a casa dos tios de Ana em Kilas ou a de Maria da Luz em SEM SOMBRA DE PECADO), José Fonseca e Costa joga com esses vários códigos que emergem dos espaços ou dos grupos de personagens contidos na narrativa, sem contaminar os códigos unívocos da própria expressão cinematográfica. Ou seja, o cinema de Fonseca e Costa embora consciente de um complexo jogo de sinais em que a realidade e a fantasia se interpenetram joga na conservação do modelo narrativa convencional como quadro de referencia necessário ao jogo cruzado que o argumento estabelece ao passo que outros cineastas portugueses como Manoel de Oliveira, Fernando Lopes, ou António-Pedro Vasconcelos de umo ou de outra maneira elaboram o seu cinema num nível metalinguística que estende esse jogo aos próprios códigos do cinema.

Os filmes de Fonseca e Costa jogam assim num terreno mais familiar ao espectador habituado pelo cinema corrente, aparentemente sem surpresas e exigindo uma leitura mais atenta ou a conotaçáo com obras anteriores para que seja possível extrair um sentido mais global. Essa será aliás a sua credencial no sucesso junto do público e o seu desafio ao espectador mais perspicaz.


A. Roma Torres, Jornal de Notícias, 12/2/1983

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