top of page
Foto do escritorAntónio Roma Torres

Três Irmãos - Teresa Villaverde (1994)

QUASE CHORAR

 

 A. Roma Torres, A Grande Ilusão, 17, Março/1995, pgs. 45-46

 


"Fazer ver a duração real da dor de um homem e da sua presença no dia."

  "O homem está aí adiante de nós e nós podemos ver au ralenti para verificar o peso concreto de cada minuto da sua presença."

   Cesare Zavattini, citado por Gian Piero Brunetta, Zavattini dans le neo-réalisme, in Cesare Zavattini, ed. Centre Georges Pompidou, Paris, 1990 

 

 

Há uma óbvia memória neo-realista em Três Irmãos de Teresa Villaverde. Mas a autora, como a protagonista Maria (Maria de Medeiros) no seu salto mortal das imagens iniciais, assume o risco.

 

Nesta Europa, Anos 90, subtítulo rosselliniano de rodagem que acaba por ser abandonado, não é já questão de desvendar uma realidade social oculta por um determinado verosímil cinematográfico.

 

O que ficou do neo-realismo nem foi a consciência social (embora haja em Três Irmãos certamente uma boa dose de consciência social), nem o despojamento de uma estética da pobreza (a deixar-se ir, pelo contrário, quase até à fronteira do melodrama, do folhetim que em 1962 o próprio Zavattini reprovava, apesar de tudo, no seu e de de Sica, Ladrões de Bicicletas), mas foi, curiosamente, o sentimento. E esse tempo que prolonga o olhar sobre as personagens para lá das necessidades da narrativa.

 

Embora o trajecto de Três Irmãos, como aliás o de Idade Maior, seja claramente suicidário, e não apenas pelo lado de Maria, mas também, pelo menos, da mãe (Olimpia Carlisi) e do irmão mais novo (Marcello Urgeghe), aquilo de que o filme nos fala, ainda assim, é de sobrevivência e até de resistência.

 

"Hoje gosto mais de viver que qualquer outro homem da minha idade", dizia Alex (adulto, em off) em Idade Maior, ou ainda "é preciso andar para a frente e rir quando a barriga nos aperta e temos vontade de chorar".

 

De vontade de chorar fala ainda Três Irmãos, perguntando várias vezes "o que é a tristeza?". 

E a tristeza, dizem as crianças em off, numa espécie de flash-back da banda sonora que não são afinal memórias destas personagens, mas, segundo o genérico, textos infantis colhidos por Maria Rosa Colaço, portanto, de certo modo, memórias universais da infância, a tristeza é "quase chorar", nessa definição do tempo que o filme procura: um antes ou já depois, ou em vez de chorar.

 

Veja-se Maria ao telefone com a mãe, depois desta ter abandonado a casa. Ou a professora (Mireille Perrier), também ao telefone. Ou a espanhola (Laura del Sol) que irá depois talvez cantar.

 

A tristeza é, também, diz uma voz de criança no final, "quando se morre".

 

A pergunta que se adivinha no filme, para lá do suicídio final, é precisamente "quando se morre?". E não serão os suicídios do filme, paradoxalmente, a expressão de uma vontade grande de não deixar morrer qualquer coisa, que talvez venha da infância, afinal essa "idade maior", qualquer coisa que se expressa precisamente na, por isso mesmo excelente, interpretação de Maria de Medeiros, premiada em Veneza e comparada pela crítica italiana à Gelsomina de La Strada (talvez as personagens, mais que as actrizes, pertençam a uma mesma família).

 

Maria é uma daquelas personagens que não se pode deixar morrer. Mas parece haver nessa imagem de desprotecção e na temática recorrente em Teresa Villaverde da separação e do suicídio dos pais, um lado em que a aparente maturidade das personagens não consegue resolver o seu processo de crescimento (e de luto). Como se houvesse que permanecer uma orfandade, ou uma menoridade, que apela à solidariedade, mas também eventualmente a uma protecção de efeitos potencialmente perversos, precisamente se se transferir das condições exigíveis do desenvolvimento infantil e do crescimento, que não será necessariamente a morte da criança que haverá em cada adulto, para uma espécie da sua substituição permanente mesmo que aceite como preço de sobrevivência desse estado de inocência, ou do sonho.

 

Mas inteligentemente o filme yem mais perguntas que respostas. E naturalmente a partir do título parece apontar para uma fraternidade que supere o sentimento de orfandade, mesmo correndo o risco de continuar a limitar na família todo o investimento afectivo.

 

Maria, filha e irmã, não ganha espaço de ser mulher. Espaço que as outras personagens femininas também parecem não ter. Espaço que se percorre para além da fraternidade, que todavia parece subsistir na relação entre mãe e o pai, que nem por isso torna quotidiano mais suportável. E que a experiência sexual de Maria, traumática no assédio no emprego, anónima numa máscara de idade adulta em ambiente de discoteca, não parece integrar. Será, aliás, esse por ventura o sentido mais real da estranheza de Maria numa cerimónia de casamento, já ingerido o veneno que a matará.

 

O isolamento é assim a falha de fraternidade, mas se calhar o primeiro passo (doloroso) para a idade adulta. Que no entanto, diz Teresa Villaverde, pode se fatal. Ou Alex em Idade Maior: "Sei que por um triz se pode morrer." Esse é afinal o grande perigo da vida.

 

Mas se tudo se define por um triz, um acaso, um momento, quiçá uma decisão, Três Irmãos nos seus múltiplos sentidos consegue a unidade das grandes obras, que Idade Maior apenas prometia e deixava morrer em toda a segunda metade, deslocada do jovem para a história dos pais. 

 

O discurso de Teresa Villaverde é o do apelo da grandeza, da verdade interior, da fidelidade a si própria, do risco, da improbabilidade do salto mortal. E afinal por um triz se pode viver.

0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Sobre nós

Este é um blog sobre cinema, particularmente sobre os filmes portugueses entre 1972 e a actualidade e os filmes em exibição nas salas de cinema portuguesas

bottom of page