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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Três Menos Eu - João Canijo (1987)

UM EFEITO DE GERAÇÃO

 

A geraçao do novo cinema português dos anos sessenta (Fernando Lopes, António Macedo, Fonseca e Costa, Paulo Rocha, António Pedro Vasconcelos, etc. ) ronda agora os cinquenta anos de idade. Cada um fez o seu percurso e no caso principalmente de Fonseca e Costa c António Pedro Vasconcelos conseguiram mesmo um significativo êxito junto do público com filmes como Kilas o Mau da Fita e Sem Sombra de Pecado no primeiro caso e Oxalá e O Lugar do Morto no segundo. Naturalmente, e reconhecidos todos os méritos o seu cinema, não pode hoje caracterizar-se como novo. No entanto o seu peso é ainda muito grande no conjunto do cinema português.

É natural que os novos se tenham de impor pela diferença e tenham de fazer esforço no sentido de criar um lugar já que agora há um cinema português embora sem regulares estruturas de produção. mas com um indiscutível prestígio cultural. Quando essa primeira geração surgiu a questão era outra pois para trás não havia praticamente nada depois dos anos trinta e quarenta de Leitão de Barros e António Lopes Ribeiro, António Silva e Vasco Santana, os anos cinquenta corresponderam a uma quase desertificação da produção cinematográfica.

Em 1979 no Festival de Cinema da Figueira da Foz, aproveitando a exibição de um lote de curtas e médias metragens que constituíam as primeiras obras de novos cineastas, houve a tentativa de falar de um «novíssimo cinema português», mas isso não correspondia praticamente a nada, já que apenas Alexandre e Rosa de João Botelho e Jorge Alves da Silva parecia trazer alguma novidade - e Botelho confirmou-se sem dúvida como um valor nessa geração intermédia em que poderíamos incluir Jorge Silva Melo, José Nascimento e José Álvaro Morais,

embora os dois últimos só mais recentemente fizeram a sua primeira longa metragem de ficção O resto ou era totalmente desinteressante ou perdia-se numa narrativa convencional e pouco entusiasmante - caso de Os Lobos de Pedro Bandeira Freire e O Peixinho Vermelho de António Drago, autores que seguiram depois outros rumos.

Agora, nesta segunda metade dos anos oitenta, pode claramente começar a falar-se de uma nova geração com algumas características comuns para além da proximidade etária. Joaquim Leitão, Vítor Gonçalves, Margarida Gil, Cristina Hauser, João Canijo e Joaquim Pinto tiveram oportunidade de fazer os seus primeiros filmes, na generalidade com orçamentos bastante magros - mesmo para os números baixos da produção média portuguesa - e os seus filmes caraterizam-se por uma temática e um estilo mais universais, ao mesmo tempo que aceitam sem complexos as limitações de uma primeira obra.  Para esta nova geração não se trata de fazer um filme definitivo   que   traga   a   marca   do   autor "de uma vez por todas", mas de aproveitar uma oportunidade habitualmente num trajecto anterior que passa pela escola de cinema (caso de Vítor Gonçalves e Joaquim Leitão), pela familiaridade com a rodagem de filmes alheios (Cristina Hauser, João  Canijo,  Joaquim Pinto) ou pela experiência de televisão (Margarida Gil).

Três Menus Eu de João Canijo entende-se melhor neste contexto. A história é relativamente simples. Rita (Rita Blanco) acompanha Anne (Anne Gautier) prima emigrada em França que vem de férias ao país dos seus pais. A cortesia cedo se encaminha para o conflito entre a cumplicidade e a amizade por um lado e a rivalidade e o ciúme por outro. Três Menos Eu é um filme de sentimentos que aposta mais no gesto e no comportamento do que nas palavras e nas explicações. O registo emocional dos personagens é tratado por Canijo em solos de música e passeios solitários nos rochedos em destemperos emotivos que dizem o que não chega a ser verbalizado nos diálogos. Há aliás um contraste curioso entre essa opção e o monólogo de Paulo Rocha sobre a música japonesa referência de homenagem à primeira geração do novo cinema mas também evidentemente uma nova geração que ocupa o espaço mas não domina ainda o lugar do discurso (ou talvez mesmo não se interesse por isso) como facilmente transparece ainda das próprias entrevistas modestas destes novos cineastas que a imprensa tem publicado no momento de apresentação dos seus filmes.

Três Menos Eu tem naturalmente os sinais de imaturidade criativa que se entendem numa primeira obra, mas outra das novidades que finalmente surge de uma maior continuidade da produção cinematográfica portuguesa é precisamente a de poder possibilitar filmes que aparentemente se justificam apenas pelo desejo de filmar, que são pontos de partida e não obras tardias depois de muitos sonhos e projectos abandonados, logicamente saturados do que não fora dito em devido tempo e acaba por ser tributo de uma memória que não se concretizara antes.

O mérito de Três Menos Eu é o de existir apenas como um pequeno filme que prova pelo menos uma capacidade de iniciativa de risco. Adivinha-se no filme um cineasta em formação capaz de se ir organizando como autor sem estar apenas à espera na longa bicha dos subsídios mas seria bom que o acolhimento em festivais e a possibilidade de filmar de novo em breve não levassem João Canijo a cair na facilidade e sedimentar o já conseguido partindo para novos projectos com uma espécie de fórmula mágica a reproduzir vezes sucessivas.  O que se pode desejar é que o próximo filme seja um filme diferente porque só se pode fazer uma vez um primeiro filme. E se assim for este Três Menos Eu pode saudar-se como uma revelação como revelação é também o desempenho de Rita Blanco, que contribui para credibilidade do retrato de um mundo jovem que o filme esboça.

 

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 11/6/1988

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