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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Um Adeus Português - João Botelho (1985)

O TEMPO SUSPENSO


Depois de ter abordado Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro em Conversa Acabada João Botelho aparentemente volta-se para um tema mais próximo do quotidiano sociológico português retomando uma preocupação contemporânea do seu primeiro filme que Jorge Alves da Silva concretizaria em O Último Soldado, filme que permanece inédito e ao que consta incompleto.

A guerra colonial é assim o tema de UM ADEUS PORTUGUÊS, mas o filme não reflecte tanto sobre uma realidade política ou mesmo cultural mas antes sobre um pathos lusitano que parece irmanar todos os personagens do filme e que a esse nível é porventura a contrapartida psicológica da criação literária abordada em Conversa Acabada.

No entanto é talvez um pouco linear considerar que UM ADEUS PORTUGUÊS é o primeiro filme sobre a guerra colonial simplesmente porque o é mais importante e determinante só secundariamente se prende com a guerra colonial.

De certa maneira a guerra colonial é em UM ADEUS PORTUGUÊS um dado da realidade que caracteriza um contexto de resto bastante elaborado a nível formal na própria estrutura do filme.

UM ADEUS PORTUGUÊS é de certa forma um retrato da incapacidade portuguesa de dizer adeus, essa coisa talvez simples a que se chama saudade.

Em primeiro lugar do adeus a África. As cenas de guerra localizam-se em 1973, portanto no último ano da guerra. E, no entanto, a consciência dos soldados está tão longe dessa inevitável despedida que ainda é possível ensinar aos negros os rios do Portugal europeu.

Mas adeus também de um casal de lavradores do Minho, Raul (Ruy Furtado) e Piedade (Isabel de Castro) que vêm a Lisboa ver a nora Laura (Maria Cabral), viúva do filho mais velho morto há 12 anos na guerra e Alexandre (Fernando Heitor), o filho mais novo que vive da escrita de livros pornográficos depois de ter tentado o jornalismo.

João Botelho consegue com particular sensibilidade encenar os diálogos vulgares de um quotidiano depressivo e sem horizontes. Mas o mais interessante é o retrato de Laura e Alexandre aparentemente desenraizados na grande cidade com ligações afectivas que não fazer história (Laura esconde o seu companheiro durante a estadia dos sogros e Alexandre tem uma ligação morna que não põe em causa a vida familiar de Rosa que vive com o filho e a mãe).

De certa maneira João Botelho retoma um certo tempo suspenso, sem história, sem ficção, desdramatizado, que é aliás um traço comum à estética de muito do cinema português contemporâneo. Assim o hiato entre as cenas da guerra colonial em 1973 e a actualidade em 1985 sucede como se nada tivesse ocorrido. Laura principalmente não parece ter desenvolvido qualquer ligação mais sólida que supusesse o luto do furriel morto na guerra.

Alexandre fala eufemisticamente em acidente e não na guerra. O pai  não visita ainda a campa do filho como se nunca lhe tivesse dito adeus.

De certa forma a questão é idêntica à que Jorge Silva Melo abordava em Ninguém Duas Vezes aí referente à euforia da revolução. Em ambos os casos identifica uma ausência de sentido da história incapaz de fazer o luto das perdas inevitáveis e assim sair da depressão e encarar o futuro.

Mas UM ADEUS PORTUGUÊS é principalmente um filme que olha os rostos, perscruta os gestos, adensa as palavras raras e assim percebe os sentimentos escondidos, a tranquilidade aparente dos dias magoados e sem ilusões, aquela dor tão mansa, quase vegetal que se cita de Alexandre O'Neill na frase com que abre o filme. Essa é a beleza do filme e a sua forma portuguesa de comunicação logo evidenciada no título. É sem dúvida um filme bem nosso.

 

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 27/4/1986

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