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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Um Adeus Português - João Botelho (1985)

A ARTE DE SER PORTUGUÊS


Tomamos o título do livro de Teixeira de Pascoaes para voltar ao filme de João Botelho UM ADEUS PORTUGUÊS. Também talvez porque o que parece faltar no filme são os instrumentos culturais que permitem entender toda a nossa especificidade lusitana.

Ser português afinal o que é? Para o cinema português a resposta de alguma forma está na ausência de ficção e de drama. Ninguém Duas Vezes de Jorge Silva Melo e UM ADEUS PORTUGUÊS de João Botelho vêm afinal falar de uma perspectiva muito semelhante.

Daí também que ambos os filmes espelhem a originalidade portuguesa no convívio com o estrangeiro - alemão no filme de Silva Melo, africano no de João Botelho.

Em Ninguém Duas Vezes é o desejo de parar o tempo. O tempo dolorosamente passado sobre a juventude, sobre as ilusões, sobre o valor da utopia.

Em UM ADEUS PORTUGUÊS o tempo não passa, não se faz história. A dor da guerra, a morte é uma constante presença doze anos depois. Todos os personagens como que vivem num tempo suspenso. Ou num tempo que se pode suspender como faz Laura quando os sogros a vêm visitar em Lisboa.

Afinal ser português é um talento ou uma doença. Naturalmente o verso e o reverso constituem o dilema de um destino de grandeza ou de fracasso. Nenhum filme, nenhuma filosofia vai deixar a questão encerrada.

Mas à arte cabe também uma certa função de terapia social. Ser português transporta hoje um mal-estar que quase nos deixa abater. UM ADEUS PORTUGUÊS corre o risco de nos chorar o destino sem nos devolver a estima e a confiança nas nossas novas potencialidades.

UM ADEUS PORTUGUÊS fala também de uma incapacidade de partir, de perder, de se despedir. Ou de uma habilidade de resistir às fracturas, às quebras, às distâncias.

João Botelho filma apenas pedaços estilizados de um quotidiano esquemático, mas ainda assim surpreendentemente crível. Não pretende, talvez pela sua idade jovem ou por uma prudente cautela ou pelo genuíno evitamento de conflitos de que os seus personagens são exemplo, interpretar ou propor leituras. É um filme pouco arrojado e essa é a sua principal limitação.

Mas de certa maneira em UM ADEUS PORTUGUÊS está retratada essa enigmática saudade e não apenas no estilo sebastianista da cena do helicóptero no fumo (nevoeiro), salvação prolongada nos sinais religiosos de uma cerimónia católica. A saudade é esse estar presente quando se partiu, é esse luto mitigado talvez menos dramático e até menos reconfortante, mas que estabiliza uma ligação suave que pode apurar uma sensibilidade capaz de novas respostas criativas. Há que saber, no entanto onde essa disposição lusitana pode ser paralisante e mórbida.

João Botelho identifica um tema. Resta esperar da sua obra o desenvolvimento que a maturidade decerto trará. Não é um cineasta a celebrar já mas principalmente a esperar no futuro. Assim o saiba perceber ele sem deslumbramentos.

A Roma Torres in Jornal de Notícias, 17/5/1986

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Este é um blog sobre cinema, particularmente sobre os filmes portugueses entre 1972 e a actualidade e os filmes em exibição nas salas de cinema portuguesas

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