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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Um Adeus Português - João Botelho (1985)

O PORTUGUÊS E O TEMPO

A. Roma Torres, A Grande Ilusão, 5, Dez/1987, pg. 37

 

Um título (Um Adeus Português) ou a citação inicial de Alexandre O'Neil ("esta pequena dor à portuguesa tão mansa quase vegetal") dizem já tudo. O filme de João Botelho trata evidentemente do que é ser português, "A Arte de Ser Português" (Teixeira de Pascoaes) ou as características deste "povo de suicidas" (Miguel de Unamuno) constituem um tema particularmente aliciante nesta encruzilhada histórica dos anos oitenta ainda marcada pelo fim da guerra em África (Um Adeus Português) ou pela euforia perdida dos anos da revolução (Ninguém Duas Vezes de Jorge Silva Melo).

Realmente os filmes de Botelho e de Silva Melo preocupam-se de alguma forma com um tempo suspenso na vivência dos portugueses, aliás observados também numa original convivência com outros povos: africanos em Um Adeus Português, alemães em Ninguém Duas Vezes.

Os protagonistas do filme de Silva Melo desejariam que o tempo tivesse parado no momento alto do 25 de Abril - por isso também como que vivem fora do tempo. Como comenta Mário (José Mário Branco) falta ficção na cultura portuguesa. Ficção que de certa maneira equivale à acção em lugar da reflexão - e Carlos (Luís Miguel), no mesmo sentido antimetafísico, quer finalmente ser apenas actor. Jogar o jogo e não protagonizar um discurso inteligente mas exterior.

Um Adeus Português, por seu lado, mostra o tempo parado, principalmente de Laura (Maria Cabral), viúva há doze anos e com uma nova ligação no entanto suficientemente provisória para poder ser posta entre parêntesis aquando da visita dos sogros, Raul (Ruy Furtado) e Piedade (Isabel de Castro), que vivem no Norte rural (significativamente "guardado" pelo cineasta António Reis, como os últimos sacramentos eram administrados pelo "padre" Manoel de Oliveira). As ligações afectivas actuais de Laura e Alexandre (Fernando Heitor) parecem não fazer História.

Os sogros vêm dizer adeus em Lisboa a Laura, mas parecem nunca ter dito verdadeiramente adeus ao filho morto na guerra colonial. Como Portugal não disse verdadeiramente adeus a África (daí a visível presença de africanos no quotidiano lisboeta que o filme mostra). Em África - 1973, no último ano da guerra, os soldados ensinam ainda aos africanos os rios de Portugal como se não fosse iminente uma transformação radical dessa geografia fantasmática.

Um Adeus Português identifica talvez uma certa ausência (nossa) de sentido da História com a incapacidade de fazer o luto das perdas inevitáveis e, assim, sair da depressão e encarar o futuro. Mas essa incapacidade de partir, de perder, de se despedir é também a habilidade de resistir às fracturas, às quebras, às distâncias.

Esse é talvez o sentido da saudade portuguesa, esse estar presente quando se partiu, espécie de luto mitigado, menos dramático, menos reconfortante, mas capaz de estabelecer ligações suaves em que se apura a sensibilidade e se preparam novas respostas criadoras. Falta talvez saber distinguir quando essa disposição pode ser paralisante e mórbida. Ou como escrevia Teixeira de Pascoaes: "também se pode dizer que a saudade á a virtude deste defeito que é a vil tristeza".

 

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Este é um blog sobre cinema, particularmente sobre os filmes portugueses entre 1972 e a actualidade e os filmes em exibição nas salas de cinema portuguesas

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