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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Uma Pedra No Bolso (1988) E Onde Bate O Sol (1989) - Joaquim Pinto

SOBRE A INDIFERENÇA

 

António Roma Torres, A Grande Ilusão, 9, p.43

 

UMA PEDRA NO BOLSO E ONDE BATE O SOL são duas histórias de adolescentes que se confrontam com um mundo subterrâneo de sentimentos desencontrados que mal afloram à superfície de quotidianos relativamente banais. As semelhanças da estrutura dos seus argumentos não escapam à observação mais distraída, podendo mesmo ser considerados duas criações sobre o mesmo tema. Talvez o que é timida­mente sugerido em UMA PEDRA NO BOLSO seja mais abertamente exposto em ONDE BATE O SOL, mas a verdade é que o desenvolvimento mais sofisticado do segundo filme, obviamente de orçamento mais folgado, vem finalmente introduzir um certo obscurecimento, uma confusão narrativa que naturalmente corresponde ao risco que Joaquim Pinto assume ao faiar de uma idade da qual por ventura ainda não está suficientemente distanciado.

 

Em ambos os filmes o protagonista é um jovem em momento de crise escolar (as férias após um insucesso escolar no primeiro caso, as dúvidas quanto ao futuro no segundo). Fora dos livros hâ um mundo estranho, diferente que o vai fascinar.  Ao aborrecimento tâo característico de deter­minadas crises da idade, a esse estado de indiferença vivido no mundo das aulas, à própria cidade, vem sobrepôr-se o mundo das activdades mais primárias, como a pesca e a agricultura ou um saber mais autodidacta que germina na pequena vila ou na aldeia. Ai a amizade pelo igual (o mesmo sexo) é paradoxalmente a des­coberta do diferente na aceitação tran­quila do desordenado, como desordenados são os amores heterossexuais de Laura em ONDE BATE O SOL

 

Talvez a proposta mais radical dos filmes de Joaquim Pinto seja a de que verdademente a linha de demarcação não está entre o heterossexual e o homossexual, mas entre a ordem imposta que é a dos estudos, a da carreira, a do sucesso aparente, e a escolha de uma opção talvez arriscada, mas ine­quivocamente baseada na sua vida interior, na descoberta pessoal. Esse é o dilema de toda a adolescência, que Joaquim Pinto trata no universo de alguns sentimentos peculiares, como quem abre um campo inédito na expressão do cinema português, talvez de uma ou de outra forma apenas esboçada em AS RUÍNAS NO INTERIOR  de Sá Caetano ou O BOBO de José Álvaro Morais.

 

Infelizmente a simplicidade de processos, a economia narrativa, quase diríamos a ingenuidade de UMA PEDRA NO BOLSO, parece dar lugar ao pretensiosismo formal e intelectual que complica desnecessariamente ONDE BATE O SOL. Talvez se tenha pretendido um retrato mais complexo - ao triângulo constituído por Miguel, João e o doutor Fernando em UMA PEDRA NO BOLSO sucede uma teia mais confusa de  relações de paixão e de parentesco em ONDE BATE O SOL; ao outro polo afectivo ocupado por uma jovem também adoles­cente, em UMA PEDRA NO BOLSO, sucede uma mulher mais madura em ONDE BATE O SOL - mas faltou o trabalho de argu­mento que a maior ambição supunha.

 

Técnico de som de créditos firmados, o jovem Joaquim Pinto inicia uma carreira de realizador (e simultaneamente de produtor) que naturalmente promete mais do que no momento se pode confirmar, dado o carácter talvez apenas anunciador destes seus dois primeiros filmes.

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