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Foto do escritorAntónio Roma Torres

Vestido Cor De Fogo - Lauro António (1985)

SEM COR...E SEM FOGO

 

O Vestido Cor de Fogo, Lauro António, Portugal, 1985 

 

António Roma Torres, A Grande Ilusão, 7, pgs. 65-66

 

 

A filmografia de Lauro António tem-se desenvolvido em evidente ligação com a literatura. No entanto nem todos os autores parecem igualmente familiares às preocupações do cineasta. Com Vergílio Ferreira parece ter-se estabelecido uma comunicação especial. Lauro António dedicou-lhe um documentário; convencou-o mesmo a desempenhar o papel de reitor do seminário em Manhã Submersa; e principalmente o cinema narrativo que parecia afirmar-se no início dos anos 80 permitiu que Lauro António abordasse com grande contenção e eficácia o universo fechado do seminário descrito por Vergílio Ferreira em Manhã Submersa, ao mesmo tempo que deixa sugerida, até certo ponto, uma metáfora do Portugal salazarista.

 

Manhã Submersa por outro lado é uma exemplar história de adolescente, com a amputação final a identificar todas as perdas e todos os lutos do crescimento para a vida adulta. Acontece também que é essa auto-mutilação, como forma de mediação com a realidade, que traduz também uma certa distância do narcisismo para que a produção do cinema português de autor tendeu particularmente ao longo dos anos 70, dos anos da mudança.

 

Depois de um início assim auspicioso Lauro António parece lançado numa preocupação estranha de fazer currículo. Desse modo com curtos orçamentos estende até ao tamanho de longa-metragem quatro Histórias de Mulheres inicialmente destinadas à televisão. Surgem assim em 1983 quatro filmes, A Bela e a Rosa (sobre um conto tradicional português), Casino Oceano (a partir de Week-end, conto de José Cardoso Pires), Mãe Genoveva (ainda segundo um conto de Vergílio Ferreira) e Paisagem Sem Barcos (inspirado num conto de Maria Judite de Carvalho). Os resultados ficaram aquém de Manhã Submersa evidenciando simultaneamente dificuldades narrativas e um tempo difícil de gerir na sala de cinema ou no pequeno ercã do televisor, parecendo Lauro António desinteressado de fazer o seu melhor em troca da quantidade, em número de filmes ou em minutos de cinema rodado. Ainda assim pode dizer-se que se trata de filmes correctos, sem ambições mas também sem deslizes de maior.

 

Infelizmente José Régio parece um autor mais distante do universo de Lauro António e O Vestido Cor de Fogo resulta um fracasso completo, provavelmente ainda em continuidade com o projecto de História de Mulheres

 

Ao contrário de Manoel de Oliveira, que adaptou de Régio Benilde ou a Virgem-Mãe e O Meu Caso, Lauro António é nitidamente um cineasta de normalidade, de psicologia.  E daí provavelmente o sentimento de estranheza, com que se abeira da história extrema de Régio - uma ruptura afectiva, de consciência , face à impossibilidade de transpor a distância da diferente identidade agudizada pela partilha da vida íntima.

 

O Vestido Cor de Fogo inicia-se com um longo monólogo e o interlocutor estranhamente silencioso é um cineasta, até certo ponto figurando o próprio Lauro António. Essa barreira, essa dificuldade de comunicação, essa estranheza é, em certa medida, o problema de todo o filme, o seu signo de incompreensibilidade.

 

Por outro lado a história de Régio é, de alguma forma, datada. Uma adaptação a um outro tempo, como fez Lauro António, teria de ser mais radical. Tal como foi feita resulta inacreditável, anacrónica - atente-se na festa em casa de Maria Eugénia nos anos 70, com referências ao consulado de Marcelo, mas num clima nitidamente uma ou duas décadas atrás (desde a música aos gestos), ou na cena do 25 de Abril em que contra toda a lógica narrativa o cineasta filma o casal protagonista que assiste na televisão às cenas de rendição de Marcelo no quartel do Carmo e comenta o fascínio da personalidade de Otelo, objecto de artigos dos jornais (quando certo que em 25 de Abril Otelo não era ainda o rosto conhecido do MFA).

 

O Vestido Cor de Fogo abusa do monólogo e da literatice dos diálogos, com interlúdios inexplicáveis como o passeio da protagonista no cacilheiro, fragiliza-se nos desempenhos e na direcção de actores e finalmente é um filme sem chama, pálido e frio, que nada tem que ver com a sugestão erótica e perurbadora do tema de Régio.

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